07 dezembro 2013

A morte de Balder - Mitologia Nordica


Balder, filho de Odin e de Frigga, era o mais belo e amado dos deuses. Não havia criatura em todo o mundo, que não o adorasse. Grande parte do seu fascínio estava na
alegria que ele irradiava sobre todos os que o cercavam; a própria natureza parecia
alegrar-se com a sua chegada e, desta forma, era uma presença sempre bem-vinda onde
quer que se fizesse anunciar.
Um dia, entretanto, Balder acordou com uma sombra anuviando o seu olhar. Sua
mãe Frigga logo percebeu que algo muito grave o perturbava. -Balder querido - disse ela,
achegando-se ao filho. - O que você tem, que acordou com um mau aspecto?
- Tive alguns pesadelos - respondeu o jovem deus, com o semblante alterado pela
preocupação. - Estes sonhos ruins prognosticavam a minha morte!
Frigga levou logo a má notícia a seu esposo Odin.
- Deve ter sido só um pesadelo - disse o deus, minimizando o problema. - Vamos esperar para ver se ele se repete.
Infelizmente, nas noites seguintes, os mesmos sonhos funestos tornaram a
atormentar Balder, de tal forma que Odin se viu obrigado a tomar uma providência. - Vou
até Niflheim, a terra de Hel, para ver se descubro o que esta acontecendo - disse ele a
Frigga. - No mesmo dia desceu a toda pressa a Bifrost (a ponte do arco-íris que liga
Asgard ao resto do mundo), cavalgando Sleipnir, o sai veloz cavalo de oito patas. Rumava
para as escuras e subterrâneas terras de Hel, a deusa da morte. Depois de ter cruzado
com Garm, o cão que guarda o portão infernal, ficou frente a frente com a sinistra filha de
Loki. - Hel, preciso que me diga onde está o túmulo de Angrboda, uma antiga profetisa -
disse ele à deusa dos mortos.
A deusa indicou-lhe o caminho. Ao chegar à escura região onde dormia a velha
sibila, acordou-a com suas invocações. - Acorde, profetisa! - disse o deus. - Quero saber por que há tantos preparativos em Niflheim, como se estivesse para ocorrer uma grande
recepção. - A profetisa, a princípio, relutou em dizer qualquer coisa, mas Odin, fazendo
uso de seus feitiços rúnicos, obrigou-a a falar a verdade. - O jovem deus... oh, sim,
Balder!... entrará na morada de Hel... dentro de muito... muito pouco tempo...! - disse
Angrboda, num estado muito próximo do sonambulismo.
- Balder... morrerá mesmo? - disse Odin, sem poder acreditar.
- Morto... por Hoder... Sim, Hoder o matará...! - disse ela, impassível.
Hoder era o irmão cego de Balder. Odin, sem querer escutar mais coisa alguma, deu
as costas à profetisa e, montado em Sleipnir, retornou à toda pressa para Asgard. Tão
logo chegou à morada dos deuses, procurou por sua esposa. -Frigga, infelizmente, é
verdade! - disse Odin, alarmado. - Balder será morto! -O deus preferiu esconder a
segunda parte da revelação por achar que a fatalidade ainda poderia ser evitada.
- Não, não! - exclamou a mãe de Balder, recusando-se a aceitar o destino que as
Nornas, as fiandeiras do destino, pareciam haver decretado, irrevogavelmente, para o seu
filho. Decidiu, então, tomar as suas providências para impedir que isto acontecesse. No
mesmo dia partiu pelo mundo para alcançar de todas as coisas que o compunham a
promessa de que jamais fariam mal a Balder.
Este foi um longo périplo, que o amor de mãe a fez cumprir com impressionante
rapidez e sucesso. Todos os deuses, homens, anões, elfos, duendes - e até os gigantes,
inimigos declarados dos deuses - prometeram à deusa que jamais fariam qualquer mal a
Balder. Mas isto não foi tudo: até dos seres inferiores da criação - como os animais, os
insetos, as plantas e os minerais - Frigga arrancou a promessa de que jamais atentariam
contra a vida de seu amado filho. Leão por leão, escorpião por escorpião, folha por folha,
pedra por pedra - de um por um destes seres e coisas ela obteve, de maneira
suavemente persuasiva, a promessa desejada. Então, quando havia cumprido finalmente
a tarefa, Frigga voltou para junto do seu esposo, feliz e aliviada. - Balder está protegido! -
disse ela a Odin, com um sorriso radiante. - Ninguém jamais atentará contra a vida de
nosso filho!...
Quando a notícia chegou aos ouvidos da corte asgardiana foi grande o júbilo que se
ergueu entre os deuses. - Balder não morrerá! Balder é imortal! -exclamavam as vozes,
exultantes. - E, apesar do grande privilégio que isto representava, não se ouviu uma única
voz de inveja erguer-se, pois ele era uma criatura amada por todos.
No entanto, havia uma voz que estaria disposta a proclamar a sua inveja, não fosse
o receio de alguma punição. Estava voz pertencia a Loki, um deus que não primava
exatamente pela virtude ou pela generosidade. "Então, Balder, o queridinho dos deuses,
agora está protegido?", pensou Loki, ao tomar conhecimento do fato. - Estava estarrecido
com o feito de sua popularidade. - Então, não houve em toda a natureza um único ser que
se recusou a aceitar esta imposição arbitrária de jamais atentar contra a vida de Balder? -
exclamou ele, irado. "Não, isto não pode ser assim!", pensava Loki noite após noite. E, desta forma,
passou a ser ele a apresentar um mau aspecto todas as manhãs, quando acordava de
seu sono perturbado pela inveja.
- O que tem você, Loki, que anda com esta horrível cara de insone? - disse-lhe, um
dia, Balder, e isto foi a gota d'água para que o perverso deus decidisse tomar uma atitude
contra o filho de Odin. - "Deve haver alguma criatura, algum ser, qualquer coisa, que
tenha se recusado ao juramento infame!", pensou o deus ao sair para sua maldosa
peregrinação.
Depois de percorrer boa parte do mundo, Loki sentou-se exausto sobre um grande
rochedo para pensar sobre a melhor estratégia a ser adotada. Após muito matutar - pois o
perverso deus tinha ao menos a virtude de saber usar a cabeça (ainda que para maus
propósitos) -, decidiu procurar Frigga, mãe de sua vítima, para descobrir dela própria se
não havia um meio de burlar aquela "conspiração idiota" a favor de Balder. Para tanto,
metamorfoseou-se em uma velha e foi até o palácio de Frigga. Lá, encontrou a mãe de
Balder a fiar e começou, então, a elogiar o grande prodígio que ela obrara ao obter de
toda a natureza uma promessa tão sublime para o seu filho. - Verdadeiramente espantosa
a popularidade de Balder! - disse a velha, fingindo-se feliz com o fato. - Depois,
assumindo um ar de curiosidade intensa, perguntou à deusa: - Mas, diga-me, poderosa
Frigga: é verdade que todos, absolutamente todos\, comprometeram-se a jamais lhe fazer
mal?
Frigga, a princípio, afirmou categoricamente que todos assim havia feito. Mas, diante
da insistência da velha, acabou por vacilar por um pequeno instante c isto foi o bastante
para açular a dúvida de Loki.
- Por que vacilou, minha amiga? - disse a velha, com os olhos a brilhar.
- Bem, vou falar um segredo a senhora, já que estamos inteiramente a sós...
- Sim, claro, diga! - falou a velha. - Nada escapará de minha boca!
- Houve, sim, uma pequena e inofensiva criatura à qual não tive a coragem de exigir
a promessa, tal a sua fragilidade e doçura!
- Oh, que bela alma! - disse Loki, fingindo-se encantado com a delicadeza de Frigga.
- E, que criatura foi esta, encantadora deusa?
- Um ramo de azevinho - disse a deusa, bem baixinho.
- Oh, o frágil visco...! - disse a velha, dando um grande sorriso gengival.
- Sabe, achei que seria uma terrível ofensa - e mesmo uma ingratidão criminosa! -
imaginar que esta bela plantinha, que costumamos colocar do lado de fora de nossas
casas em sinal de hospitalidade, pudesse de alguma forma desejar fazer mal a meu filho.
Dispensei, então, a planta da paz deste juramento solene. Acha que fiz bem em prestarlhe esta homenagem? - Oh, sem dúvida, magnânima deusa! - disse a velha, abraçando-se à Frigga. - Fez
bem, oh!, fez muito bem mesmo]...
Loki despediu-se da deusa e seguiu seu caminho com um sorriso perverso
desenhado nos lábios.
***
Foi de Loki a idéia de realizar o concurso de arremesso ao Balder, como batizou o
torneio que afirmava inofensivo. "O deusinho exibicionista não se furtará a posar de
valente!", pensou Loki ao engendrar mais esta perversidade.
Uma multidão alegre reuniu-se nos jardins repletos de pendões e flâmulas, em frente
a Breidablik, o palácio de Balder. Sua esposa, Nanna, estava junto para divertir-se com o
triunfo do marido, embora trouxesse na alma um vago receio, a despeito de tudo quanto
lhe afirmara Balder, no sentido de que não haveria risco algum na brincadeira. Todos os
deuses e guerreiros amigos haviam-se postado de um lado dos jardins, enquanto do
outro, dentro de um pequeno círculo traçado na grama, estava Balder, com as mãos na
cintura e um sorriso franco no rosto.
- Muito bem, amigos, podem começar a brincadeira! - disse o deus, confiante.
Todos quiseram conceder a Odin o primeiro arremesso, mas este se recusou por
medo que algo errado pudesse acontecer. Então Tyr, irmão de Balder e considerado o
mais valente dos deuses, adiantou-se, empunhando a certeira lança com sua única mão
(ele perdera a outra num episódio famoso, que o tornara merecedor do título). Mas, antes
que pudesse arremessá-la, foi impedido pela advertência de Frigga, mãe de Balder:
- Não, espere! Lance antes algo mais inofensivo!
Tyr, atendendo o pedido, pegou uma simples pedra e a arremessou ao peilo de
Balder. A pedra bateu e ricocheteou para o alto sem fazer-lhe o menor mal.
- Ótimo! Magnífico! - bradaram as vozes, sob um coro de aplausos.
Outros guerreiros adiantaram-se, confiantes também de não provocar desgraça
alguma. Então, começou a cair uma verdadeira chuva de projéteis sobre o deus - lanças,
espadas, machados, flechas e chuços de todos os tamanhos -, que Balder recebia sem
sofrer o mínimo arranhão. A algazarra era tremenda, quando Thor, o poderoso deus do
trovão, adiantou-se e disse com um grito alegremente atrevido:
- Deixem comigo, agora!... Se Balder resistir a Miollnir, então, nada mais poderá
derrubá-lo! - Ele se referia ao seu poderoso martelo, confeccionado por anões artífices.
Um clarão abriu-se entre a fileira dos arremessadores e todas as respirações ficaram
suspensas. Até mesmo o rude Odin não deixou de dirigir a Thor um olhar dúbio, onde
errava um misto de apreensão e censura. Mas Thor confiava no que Frigga dissera e, por
isto, seguiu adiante no seu intento.
- Prepare-se, Balder! Esta nem você agüenta! Balder deu um largo sorriso e disse com a voz firme:
- Pode mandar!...
Desta vez, entretanto, poucos tiveram o sangue-frio de achar graça na situação.
Thor empunhou seu martelo e, após dar algumas voltas com ele no ar, arremessou-o na
direção do irmão. Miollnir partiu assoviando e foi acertar direto na cabeça de Balder. Um
"Oh!" de espanto varreu a platéia, quando todos viram o martelo ricochetear e voltar às
mãos do deus do trovão sem causar dano algum a Balder.
Um coro alegre de risos continuou a encher o ar, abafando o canto dos pássaros, de
modo que não havia naquele local quem não estivesse feliz. Mas, em vez de
cumprimentar Loki pela feliz idéia do torneio, preferiam todos dirigir seus elogios a Balder,
exaltando unicamente a sua coragem e o seu bom humor. - "Coragem?”, indagava-se
Loki, esquecido a um canto. "Como pode haver coragem verdadeira onde não há perigo
real? - Então, farto daquilo que chamou de bajulação vil, foi procurar algum incauto que
pudesse lhe servir de braço para o golpe que pretendia vibrar ao fanfarrão de araque.
Depois de percorrer com o olhar a multidão, Loki enxergou bem mais afastada a
figura de Hoder, o irmão cego de Balder. Ele estava sentado embaixo de uma árvore,
mordiscando um talo de erva. Apesar de afastado do bulício, ele também trazia no rosto
um sorriso divertido, pois pela audição podia avaliar a grande alegria que reinava nos
jardins de Breidablik.
- O que está fazendo aí sozinho? - disse-lhe Loki, aproximando-se sorrateiramente. -
Por que não se junta aos outros?
- Bem, é o meu jeito de me divertir - disse o cego, com um meio-sorriso. - Afinal,
perto ou longe, a visão que tenho de tudo é sempre a mesma.
Loki, que detestava sentir pena de alguém, procurou logo mudar o tom da conversa:
- E o que acha do desafio? Não vai tentar alvejar Balder, também?
- Ora, eu!... - exclamou Hoder, irritando-se com a pergunta idiota. - O cego, afinal,
sou eu ou você, que não vê a impossibilidade?
Loki deu um sorriso bem ao seu estilo: perverso. Depois, tomou de sua aljava, em
meio a várias setas, uma feita do ramo do azevinho. (Depois de havê-lo limpado das
bagas e das folhas, Loki havia conseguido torná-la uma verdadeira flecha, afiando-lhe
cuidadosamente a ponta.) - Aqui está uma seta, a mais certeira de todas, que você
poderá perfeitamente atirar - disse Loki, persuasivamente. - Vamos, eu o ajudarei a fazer
a pontaria.
Hoder ergueu-se, dispondo-se aos poucos a se juntar aos demais e se alegrar um
pouco também. Avançaram quase até o local, quando Loki deteve o deus cego.
- Vamos ficar por aqui, um pouco afastados, para que você não corra risco de ser
alvejado ou de alvejar alguém inadvertidamente. Estando ambos meio que ocultos atrás de uma árvore, Loki armou o arco e ajustoulhe a seta fatal. - Pronto - disse ele, entregando a arma a Hoder e virando-o no sentido
onde estava Balder. - Agora retese bem a corda!
Hoder fez o que Loki lhe dissera e ficou aguardando a ordem de disparo.
- Agora!... - disse Loki, quando viu que a seta tinha endereço certo no coração de
Balder. A seta partiu sibilando e numa fração de segundos enterrou-se até a extremidade
no peito de Balder. De repente a multidão percebeu que havia algo errado com o
desafiante, pois embora os projéteis ainda estivessem a ser lançados, nenhum havia lhe
provocado aquela reação que agora se desenhava em seu rosto. Os olhos arregalados e
a mão pousada sobre o peito eram sinais bastantes de que algo terrível acontecera.
- Balder querido, o que houve? - exclamou Frigga, sua mãe, que num instante
compreendera tudo.
Balder caiu de joelhos e antes que sua esposa Nanna pudesse aparar a sua queda,
caiu de rosto na grama. Um jato negro de sangue escapou de sua boca, quando ela
ergueu sua cabeça do solo. - Balder, não!... - exclamou ela, aterrada.
- Balder está morto! - gritou alguém no meio da multidão, e logo um coro de gritos
aterrorizados tomou o lugar dos risos de alguns instantes atrás. Hoder, mesmo à
distância, percebeu que algo de muito terrível acontecera - e que ele fora o responsável
direto! Loki, entretanto, já não estava mais ao seu lado, tendo se retirado assim que vira,
satisfeito, Balder tombar de rosto no chão.
- Balder assassinado! - bradavam agora as vozes.
Imediatamente a seta foi arrancada do peito do deus e Frigga, ao reconhecer o ramo
de visco, sentiu um calafrio de horror e ódio penetrar-lhe com a mesma dor que seu filho
haveria de ter sentido quando a seta lhe perfurara o coração.
- Foi uma armadilha, uma maldita armadilha! - bradou ela, arrancando os cabelos. -
Não demorou muito para que se juntassem os fatos e se chegasse à conclusão de que o
perverso Loki fora o autor do estratagema maligno. Hoder, o autor involuntário do
homicídio, perdera os sentidos ao saber que fora o causador da morte do irmão. Quanto a
Nanna, esposa do deus morto, sentira tanto a perda que acabara por desfalecer sem vida
instantes depois da tragédia.
Não havia nada mais a fazer, sentenciou Odin, tão logo recuperara a razão, senão
enterrar o filho e o mais amado dos deuses. Após os atos religiosos, Balder foi colocado
em seu grande navio junto de sua esposa e, ali mesmo, foi acesa a sua pira funerária.
Vários presentes foram depositados ao redor do morto e Odin colocou no braço de Balder
o seu famoso bracelete de ouro Draupnir.
Entretanto, o barco ficara tão pesado que foi preciso pedir a ajuda da giganta
Hyrrokin para empurrar o navio até o mar. Ela chegou montada em um grande lobo e,
depois de conseguir acalmar a feroz montaria, empurrou o navio paia dentro das águas
com tanta força que as rodas que o conduziam arderam e um grande tremor de terra sacudiu os nove mundos. Thor, que vira nisto uma provocação ao seu poder de deus dos
trovões e tremores de terra, irritou-se a tal ponto que quis partir em duas a giganta, sendo
dissuadido pelos demais deuses. Mas da sua ira não escapou um infeliz anão chamado
Lit, que inadvertidamente atravessara-se no caminho do deus. - Saia da frente, anão
maldito! - disse ele, dando um pontapé no desgraçado, que foi parar dentro do navio, que
já ardia em pleno oceano.
E, este foi o fim de Balder, o mais adorado dos deuses. Loki, entretanto, bem como o
infeliz Hoder, receberiam, em breve, a sua negra recompensa. Antes, porém, seria feita
uma última tentativa para resgatar da terra dos mortos o filho dileto dos deuses, tarefa
que esteve a cargo de Hermod, irmão também de Balder e uma espécie de Mercúrio
nórdico - mas esta é uma outra história. ''
Retirado do Livro: As Melhores Histórias da Mitologia Nórdica

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